Entende-se por românico o estilo artístico que se elaborou pouco a pouco desde fins do século X, firmou-se, com características próprias, no início do XI, e perdurou na Europa cristã até o início do século XIII, antecedendo ao gótico.
O termo "românico" foi criado, no século XIX, por arqueólogos que procuravam relacionar essas manifestações medievais à arte dos antigos romanos.
Por volta do início do século XI, o românico se definiu como estilo na Europa ocidental, favorecido pelo poder das ordens monásticas, pelas grandes peregrinações religiosas e pelo desenvolvimento do sistema feudal.
Tal estilo inspirou as produções da primeira arte tipicamente européia, pois suas manifestações se estenderam, com características semelhantes, de Portugal até o leste da Europa e das ilhas Britânicas à Itália.
Distingue-se o românico pela preocupação em distribuir os espaços de forma que a parte pudesse ser divisada em separado, mas sempre subordinada ao todo, assim como por um sentimento de superfície e textura, manifestado na adoção de materiais suntuosos, na decoração das superfícies, na riqueza do colorido e na diversidade das texturas.
O românico surgiu num momento em que a cristandade se encontrava empenhada em atividade criadora e expansionista, época de reformas monásticas e de consolidação tanto do poder espiritual quanto do temporal.
A uniformidade do românico deveu-se, em grande parte, à influência do mosteiro de Cluny, na França, que ditou novo modo de vida monástica e também, correspondendo a ele, uma nova concepção arquitetônica.
Igualmente importante, na difusão do estilo, foram as peregrinações religiosas, em especial a que se dirigia a Santiago de Compostela, na Espanha: as rotas seguidas transformaram-se em canais para propagação das novas formas por toda a cristandade européia.
Arquitectura
As construções românicas tiveram, como antecedentes, elementos da arquitetura eclética do renascimento carolíngio -- a arquitetura romana, a bizantina e as técnicas de edificação em madeira dos povos bárbaros -- embora os resultados decisivos e a coerência estilística só tenham sido alcançados em meados do século XI, principalmente na França.
Equipes de arquitetos, escultores e canteiros iam de um lugar para outro realizando obras, fato que contribuiu para dar ao românico sua unidade estilística, sem que isso impedisse o aparecimento de escolas locais que se formavam por onde os mestres e artesãos ambulantes, como se semeassem modelos, passavam com sua prática.
As edificações desse primeiro período eram feitas com pedras aparelhadas em blocos de formas regulares. Em alguns casos, a pedra era revestida de mármore de cores diferentes, como no românico italiano, exemplificado pelo conjunto que inclui, em Pisa, o batistério, a catedral, e a famosa torre inclinada.
A planta em cruz latina, de clara origem paleocristã, prevaleceu nas igrejas, que, além de torres, tinham de três a cinco naves terminadas por uma ou várias absides. Plantas de outros tipos, menos freqüentes, foram também adotadas, como a planta circular da ordem dos templários (igreja de Vera Cruz, em Segóvia, Espanha), a planta em cruz grega (Saint-Front de Périgueux, França, com forte influência bizantina), e a planta poligonal, seguida em igrejas da Alemanha (Ottmarsheim) e da Espanha (Torres del Río, em Navarra).
As igrejas românicas impunham-se pela aparência maciça, com a predominância de massas na horizontal. Suas paredes, grossas, tinham poucas aberturas, o que tornava os interiores escuros, compatíveis com um sentido de religiosidade concentrada e mística. Na cobertura, foi muito usada a abóbada de berço ou semicilíndrica, prolongada por arcos transversais de reforço.
A solução dava solidez à igreja, mas exigia apoios resistentes para o grande peso a ser sustentado. Assim, as descargas orientavam-se para as paredes largas que apoiavam o peso contínuo das abóbadas e seus arcos, os quais ainda se apoiavam sobre pilares sólidos. Pelo lado de fora, as paredes eram reforçadas por contrafortes, e a existência de naves laterais contribuía igualmente para a sustentação da obra.
Nas igrejas de peregrinação, as naves laterais possuíam um segundo andar, a tribuna, que se abria em arcadas para a nave central e servia também para alojar fiéis, de modo a ampliar o espaço útil do templo.
Entre as igrejas desse tipo, dotadas ainda de passagem em volta do altar central -- o deambulatório -- destacaram-se Saint-Sernin de Toulouse, na França, e Santiago de Compostela, na Espanha.
O arco mais utilizado foi o semicilíndrico, em geral ornamentado. Além das abóbadas de berço com arcos de reforço, usaram-se também abóbadas de arestas, constituídas pela interseção de duas abóbadas cilíndricas, com a conseqüente formação de arestas salientes para dentro do espaço coberto.
As cúpulas situavam-se no cruzeiro, ponto de união da nave central com a nave transversal ou transepto. Algumas igrejas, por influência bizantina, possuíam várias cúpulas, como as catedrais de Angoulême e Puy, na França.
Grande parte da ornamentação das igrejas se concentrava nos pórticos das fachadas, que resultavam da justaposição de vários arcos concêntricos apoiados em colunetas. Torres e campanários flanqueavam freqüentemente as fachadas.
No primeiro românico, dito lombardo por proceder da Lombardia, região da Itália, o exterior era ornamentado por pequenas arcadas cegas e por fileiras de colunas, como em San Clemente de Tahull e no mosteiro de Ripoll, na Catalunha.
A arquitetura monástica correspondeu bem de perto à das igrejas. O mosteiro-padrão constava de uma igreja, um claustro ou pátio em arcadas e uma série de dependências que se desenvolviam em torno dele, como a sala capitular, a biblioteca, o refeitório e os dormitórios.
Na formação do românico, a importância dos ensinamentos originários de Cluny, desde o ano 984, foi seguida, a partir de 1100, pelas lições provenientes do mosteiro de Cister, na Borgonha. O estilo cluniacense, de ornamentação profusa e luxuosa, com pinturas murais e muitas esculturas, contrastava com a sobriedade do cisterciense, muitas vezes com paredes nuas e colunas não decoradas. A arquitetura civil, mais rara que a religiosa, tomou forma na edificação de castelos e fortalezas.
Escultura
A ornamentação escultórica, freqüente nos pórticos das igrejas, era também costumeira nos capitéis das colunas. Correspondia, como a pintura, a uma intenção didática: narrava episódios religiosos com a finalidade de doutrinar os fiéis, em sua maioria iletrados, por meio de linguagem visual expressiva e clara.
A escultura e a pintura românicas não se propunham à representação fiel da natureza. Tendiam, antes, a uma generalização dos traços e ao expressionismo, por enfatizarem os estados psicológicos e por darem tratamento exagerado a certos aspectos da fé, de modo a realçar as representações de interesse doutrinário, como as do mal, do pecado e do inferno.
A figura humana era representada como arquétipo, e não com traços individualizados. Havia convenções para a conformação dos corpos, as roupagens e a escala das figuras, sendo maiores as que ocupavam posição superior na hierarquia (as imagens de Deus, da Virgem e dos principais santos). Essa mesma hierarquização prevaleceu na pintura.
A escultura estava intimamente associada à arquitetura. Suas figuras, assim, ora se alongavam nas colunas, ora decoravam os capitéis e arquivoltas, ora ainda compunham, nos tímpanos, cenas repletas de personagens.
Nos tímpanos, espaços semicirculares sobre as portas das igrejas, representavam-se as cenas de maior importância: o Todo-Poderoso -- o Pantocrator --, rodeado pelos símbolos dos evangelistas, ou o Juízo Final. Entre os exemplos mais significativos, destacam-se os de Moissac e Vézelay, na França, bem como os tímpanos de San Isidoro de León e da catedral de Santiago de Compostela, na Espanha.
Além de assuntos oriundos do Antigo e do Novo Testamentos, proliferaram na escultura os temas do cotidiano e os extraídos de fábulas, nos quais se alcançou elevado grau de fantasia, notável nos capitéis de claustros como o de Santo Domingo de Silos, na Espanha.
Com o tempo, a escultura românica tornou-se mais naturalista. Assim como o estilo depurado se mostrou menos rígido, menos propenso às convenções, a sujeição da escultura à arquitetura se mostrou menor, permitindo que as figuras ganhassem bastante autonomia em relação ao espaço.
Ocorreram evidentes progressos na transcrição da anatomia humana, na técnica do modelado e na expressão de sentimentos, à medida que a escultura românica distanciou-se da influência bizantina para atingir, no século XII, seu apogeu.
Pintura
Pouco restou da pintura mural românica, que em sua maioria decorava as abóbadas e as absides das igrejas. Distinguem-se duas escolas, de regiões da França, Itália, Alemanha e Espanha: a escola dos fundos claros, mais ligada à tradição carolíngia; e a escola dos fundos azuis, influenciada pela miniatura e o mosaico bizantinos.
Os murais de fundo claro, em geral amarelo, valorizavam particularmente o desenho -- em Saint-Savin-sur-Gartempe --, enquanto os de fundo azul sobressaíam pela riqueza das roupagens cheias de pedrarias -- em Berzé-la-Ville --, lembrando a arte do mosaico.
Vários murais de igrejas dos Pireneus, como San Feliú de Guixols, San Clemente de Tahull e San Cugat de Valles, foram removidos dos locais de origem para o acervo do Museu de Arte da Catalunha, em Barcelona, um dos mais completos sobre o período.
No final do século XII, quando começou a se firmar na Alemanha e na França, a pintura mural românica foi rapidamente suplantada, como decoração iconográfica, pelos vitrais góticos.
A iluminura ou decoração de manuscritos foi, dentro das artes da cor, a mais importante do período românico. Nos séculos X e XI recebeu a influência de Bizâncio, mas guardou reminiscências da arte bárbara em suas folhagens e animais estilizados, de entrelaçados caprichosos, sem começo nem fim, e de ricas cores entre as quais o ouro era usado com abundância.